O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa comemora-se, isto é como quem diz, a 3 de Maio. Em Angola não há Dia Mundial que nos valha. E não há porque aos jornalistas (pensamos, queremos ainda pensar, que são eles que fazem a informação) restam duas opções: serem domados pelos que continuam a julgar-se donos disto tudo (o MPLA) e, dessa forma, manter o emprego, ou o inverso.
Por Orlando Castro
É claro que, no próximo Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (repugna-nos comemorar uma coisa que não existe), veremos toda a espécie de gentalha (desde os que trocam jornalistas por fazedores de textos aos políticos que lhes dão cobertura) dizer que são a favor do direito universal à liberdade de expressão.
Se calhar, com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade em Angola, até veremos alguns dos carrascos a recordar que os jornalistas têm sido assassinados, mutilados, detidos, despedidos e por aí fora por exercerem, em consciência, a liberdade de expressão à qual, em teoria, têm direito.
Aliás, estamos mais uma vez à espera de ver muitos dos malandros do regime que amordaçam os jornalistas aparecerem na ribalta com a bandeira da liberdade de expressão. Se calhar até João Lourenço será visto na ribalta com a bandeira desta causa, se bem que ele tenha uma teoria (já com alguns efeitos práticos, reconheça-se) bem diferente do seu antecessor.
E se durante muito tempo o principal barómetro da liberdade de Imprensa era o número de jornalistas mortos no cumprimento do dever, hoje junta-se-lhe uma outra variante para a qual Angola dá um notório e inédito contributo: os jornalistas mercadoria, caninamente mostruário das directrizes de uma coisa que se chama Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.
E até veremos alguns dos algozes da liberdade de expressão (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Há alguns anos, o então secretário-geral da ONU defendeu uma tese que se tornou suicida no caso angolano. Kofi Annan disse que os jornalistas “deveriam ser agentes da mudança”. E o mais aterrador é que, por sinal, até acreditamos que João Lourenço está de acordo com esta tese.
Eles, os jornalistas, tentaram, eles tentam, eles continuarão a tentar o que aliás sempre fizerem, mudar a sociedade para melhor. Acontece que o seu conceito de sociedade melhor não é igual ao do MPLA, embora seja – estranhamente – similar ao do Presidente do… MPLA.
E a resposta não se faz esperar: Jornalista bom é jornalista no desempregado ou amputado da coluna vertebral e, por isso, tapete do Poder. É isso que o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA quer e, pelos vistos, é isso que alguns supostos jornalistas querem que aconteça.
Um regime, quando por ter maioria parlamentar, aprova leis sem respaldo das demais forças legislativas e da maioria da classe jornalística, ou se permite usar os seus meios particulares de comunicação (que, em teoria, deveriam ser públicos e, por isso, de todos) para intimidar, ameaçar e pôr em causa o sagrado e universal direito à liberdade de opinião, está claramente a mostrar o seu ADN totalitário.
O Parlamento do MPLA, é assim que os deputados deste partido o consideram, pretende ser igual ao que sempre foi (nem João Lourenço parece capaz de alterar esta matriz), ou seja, transformar os jornalistas em zungueiras e que, como estas, se controlem com a lei da bala (se possível certeira).
Desde os primórdios da transição e após a proclamação da independência de Angola, que a comunicação social pública, parida das entranhas do socialismo, que é sectária, divisionista, discriminatória e guerreira, pois sempre estimulou o conflito entre quem pensava diferente.
A solidariedade, a cidadania, a ética, a liberdade, o jornalismo tem sido uma luta de afirmação ao longo destes quase 44 anos de independência e o que nós fazemos aqui no Folha 8 não é fruto da liberdade de imprensa, mas da resistência a favor da liberdade de imprensa, enquanto direito fundamental.
E a luta é a melhor forma de continuarmos a ser jornalistas. Por isso abominamos os mudos, aqueles que sendo detentores de dois instrumentos; o saber e o conhecimento se refugiam na pequenez egoísta e umbilical, nada fazendo para que a notícia percorra o caminho da Liberdade.
O papel que todos podemos desempenhar neste mundo cada vez mais global só depende de nós e não do corporativismo político. Não depende e não podemos, mesmo sem tribunas oficiais fazer o jogo, daqueles que ontem, traindo a imparcialidade e a cidadania irmã, lançaram achas da divisão entre os angolanos, com um jornalismo panfletário e discriminador, em nome do povo, mas reduzido aos caprichos de um núcleo detentor do poder.
É verdade que a maioria das pessoas quando liga a rádio, a TV, abre o jornal ou outra plataforma comunicacional espera a imparcialidade da notícia, mas desiludam-se, a imparcialidade como tal não existe. Reside na utopia, porque o jornalista tem os seus valores morais e éticos, assente no seu direito subjectivo de interpretar os fenómenos e muitas vezes não consegue separar informação de opinião. O jornalista totalmente imparcial ainda não existe.
Mas aqui surge uma pergunta se não há imparcialidade como informar a sociedade? Eis o mastro: a isenção, um instituto enquanto objectivo, por não ser estática, pode ser sempre perseguida, pelo jornalista.
A isenção é o respeito pelo contraditório, conceito tão arredio da nossa realidade comunicacional. No entanto, a nobreza do jornalismo e dos órgãos de comunicação social reside, precisamente na magistratura de conferir tratamento igual às partes retratadas na notícia. Esta é a protecção dos inocentes, dos mais fracos e desprotegidos, dos que não têm voz.
A isenção leva-nos a não privilegiar a apresentação da cara dos menos favorecidos na televisão ou jornais, em detrimento dos poderosos que, regra geral mesmo roubando ou praticando a corrupção institucional em grande escala, beneficiam da benevolência, por ser “o senhor do colarinho branco”. A isenção, diferente da imparcialidade pode jogar um papel acalentador na sociedade, principalmente, quando o jornalista ou o órgão não se deixa subjugar pela lei do mais forte.
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